Realidade e Fantasia (Conto)

 
Por trás de seu silêncio, além de seus pensamentos turvos e de sua mente barulhenta, lá estava. O seu reino, o seu lugar, e o seu amor; o mundo onde ela poderia ser apenas si mesma. 
Ninguém saberia dizer ao certo uma palavra sobre ela além de seu nome, ninguém saberia descrevê-la além de seu costumeiro ato de silêncio, ninguém saberia descrever seu humor além de seu fraco sorriso misterioso, e acima de tudo, ninguém saberia dizer o que se passava diante de seus olhos negros, sempre fixos em um ponto distante de mais para ser enxergado. 
A verdade, essa que ninguém sabia, somente ela poderia encontrar. Cavando o mais fundo possível em sua mente, e buscando o mais longe possível em seu coração, ela encontrava à si mesma. Por trás do silêncio, havia a confusão em sua mente, por trás de seu nome, havia uma grande história, por trás de seu sorriso, haviam lágrimas, várias lágrimas que não sabiam nem ao menos parar de cair. Por trás de seus olhos, além de sua imaginação, em um mundo intocado pela destruição humana, estava o seu conforto. E ainda mais além, em um lugar onde nem ela mesma conseguia ficar por muito tempo, havia o seu amor imaginário. Loucura, talvez? Prefiro descrevê-lo como uma doce fantasia. 
O quão longe da realidade ela precisava ficar para que não estivesse sozinha? O quão fundo ela teria que buscar em sua mente a única razão pela qual ela ainda se encontrava viva? O quão longe dentro de si mesma ela teria que ir para encontrá-lo? Ninguém, nem ao mesmo ela sabia, mas mesmo assim, isso não importava.
Em sua mente, um mundo se criava em meio ao real: terras longínquas e distantes, intocadas pelas pessoas do mundo real, florestas congeladas, campos flamejantes, reinos distantes, sentimentos inimagináveis, e principalmente, pessoas que habitavam apenas sua mente, pessoas que eram perfeitas de mais para estar em meio à realidade. 
Mesmo que a fantasia lhe tocasse como a mais suave e acolhedora das brisas de outono, as selvagens e grosseiras mãos da realidade puxavam-lhe para o mundo à frente de seus olhos - não o que somente ela podia enxergar, mas o que para as outras pessoas poderia ser um paraíso. 
Olhou em volta, percebendo o quão caótico aquele inferno poderia ser. Inferno. Daquele momento em diante, assim aquele mundo seria chamado em seu reino. Não haveria paraíso, apenas o mundo da fantasia e o inferno que a realidade se tornara. Não haveriam monstros ou demônios, apenas as pessoas imaginárias: amigos inexistentes, com personalidades diversificadas e caráter de mais para existirem em abundância no mundo real; e as pessoas da realidade, aos quais ela poderia simplesmente chamar de monstros, fazendo um elogio não merecido. Elas conseguiam ser piores do que isso, muito piores.
Olhares fitavam-na com desprezo, palavras eram sussurradas da mesma forma. Ela provavelmente era como uma estranha ameaça inesperada naquele estranho lugar chamado "mundo real". Diferente de mais para ser como os outros, superior de mais para simplesmente se adequar no meio deles. Dotada de caráter e conceitos, ela sempre se destacaria em meio aos monstros sem alma, personalidade ou livre arbítrio do mundo real. Possuindo os melhores armamentos: imaginação, criatividade, sonhos, perspicácia, inteligência, coragem e sabedoria, ela sempre seria uma ameaça; sendo deixada de lado, porque enfrentá-la seria como perda de tempo. Querendo eles ou não, ela venceria; não que isso mudasse muita coisa. A maioria deles continuaria sendo apenas o que são: monstros do egocentrismo e da auto-indulgência. Seus erros poderiam ser perdoados, porém os dela, tão doce garota, dotada de tanto poder e sentimentalismo, seriam espalhados como as piores fofocas, ditados como as piores gafes, e supostamente merecedores dos piores castigos.
Ah, como ela desejaria que a realidade simplesmente não existisse...Não seria melhor para todos? Não, sua própria mente concluiu. Se a fantasia fosse verdadeiramente a realidade, não haveria porque seu mundo ser tão especial. Não haveria motivos para que ela escapasse em seu próprio mundo, e pior ainda...Não haveria um motivo para ele existir. Seu amor imaginário, a alma inexistente que se encaixava perfeitamente na sua.
Suspirou, desejando que seus pensamentos se voltassem novamente ao seu próprio mundo. Percebeu então, que a realidade e a fantasia eram mundos paralelos que se interligavam inevitavelmente.
A realidade sufocante já mais seria suportada por alguns sem que se pudesse mergulhar em fantasia. E sem dúvidas, a fantasia já mais existiria se não houvesse a necessidade de escapar da realidade.
Fechou os olhos, querendo ignorar tudo o que os seus sentidos captavam. A realidade lhe era necessária; e por mais que ela a sufocasse, tudo ficaria bem se ela pudesse simplesmente ignorar tudo à sua volta e voltar ao seu seu lugar, indo cada vez mais longe, até que encontrasse novamente o seu único e irreal amor.

Nenhum comentário

Postar um comentário

Comente, tire suas dúvidas, faça perguntas, pedidos de dicas....
E me deixe feliz! Eu não digo feliz tipo: =D, mas, sim feliz tipo: Se você for uma pessoa legal e comentar eu vou sair correndo e pulando pela casa toda, com um sorriso na cara de orelha a orelha porque eu recebi um comentário, e não, eu não preciso de um psicólogo, eu preciso do seu comentário.

P.S.: Talvez um psicólogo também não seja má ideia...